segunda-feira, 25 de novembro de 2013
eu te amo
Ela não dá boa noite, nem o beija, muito menos dispende horas de conversa com ele, são minutos entre barulhos de talheres e goles auditivos de xícaras de café. Os dias se passam, embora não se passe um só dia em que ele não chame pelo seu nome para que ela cumpra com seus deveres de cuidado. Comunicam-se pelos números informativos do dia de ir pegar a aposentadoria no banco, das horas e minutos dos remédios e chazinhos ou pelos números dos canais da televisão. Com as mãos ela diz eu te amo, com as mãos que massageiam suas costas cheias de comichão e enxaguam seu corpo, com os dedos que pigam as gotas de colírio, com a roupa devidamente passada, com a palma que verifica a temperatura da papa. Os dois dormem, e ela diz eu te amo todos os dias.
domingo, 17 de novembro de 2013
sobre tecer fios
começo dando nome ao texto porque me é nítida a figura do trabalho manual de tecer fios, um por cima dos outros, de forma ordenada ou não, quando se recorre a abstrações da vida futura. é assim, a gente chega só com um pedaço de linha, depois com um esforço maior adquire uma agulha e, sem querer, por uma sorte daquelas de quem acha dinheiro no bolso, obtém um pano pra começar na tecelagem de fios. os fios vão se entremeando e você vai adquirindo mais cores de linhas, depois de um tempo até consegue organizar um degradê, meio tímido, mas de ser notado, de cores. e o fio que era só azul, nem fio você supus ser quando o vê já difundido entre os outros fios azuis, desembocando numa outra cor. no começo era só você e o fio, com um punhado de esperança na mão, de olhos costurados numa fixidez apontada para qualquer movimento que a terra fazia naquele momento. daí você vai parando de olhar para o lá da frente porque, com as duas ou três tecelagens que você já tem, já te falaram ao peito que são belas enquanto estavam sendo feitas. começas a gostar do silêncio que faz entre o teu presente de fios em construção e o futuro de fios terminados. apaga o cigarro, volta a dormir, amanhã tem mais.
domingo, 10 de novembro de 2013
Das imagens que não se apagam
Fiquei
doente. Pra falar a verdade, tive mais uma daquelas viroses de gargantas. Mesmo
sabendo que seu aconchego estava próximo, tomei uma dose de vodca e me rendi à
doença. Sabe daquela gente que comete excessos alcóolicos e não adoece? Comigo
é de vias opostas, a dose foi única, mas o mal estar da garganta falou-me
durante toda a semana, dando avisos de que me abraçaria ainda mais de perto,
revolvi meus olhos ao corpo chamando por Deus; vai Senhor, não me deixa
desabar, nem plano de saúde eu tenho e o dinheiro desse mês foi embora junto
com a vodca e a festa do hallowen.
Comigo
é meio assim, como quem é médico e conhece o cheiro típico do catarro e dos
sons que ele provoca quando ainda batuca no corpo murchado. Vivo períodos de
estiagem, quando a seca assevera-me o coração, peço para segurarem-me os olhos,
com aquele mesmo impositivo dos enfermeiros que imobilizam o corpo da criança
pequena, ainda apta a bambolear com as pernas, indo e vindo, feito ondas do
mar, a diferença é que agora permito que o façam, para ver o cru e o abundante
do sol ressoar de interações de luzes fechadas, mormente delineadas pela fome e
pelo sofrer da gente que pede para que a chuva deixe de lado o orgulho e venha
beijar a falta de água. Olhei com os poros cheios de suor, pergunta-se a alguém
se é de boa escolha assumir a doença como uma cura. Se assim fosse, não mais me
preocuparia tanto esse pessoal que fuma e bebe a vontade porque mesmo que o
cigarro e o álcool sejam impressoras officejet, o dano viria para amenizar a outro
de gravidade bem maior visto de olhos bem cerrados por muita gente. Fórmulas
são tão boas quanto conta-gotas.
Então
eu gosto de repetir a palavra labuta pra dizer do ritmo sem muito sal onde
penso que a vida se situa quando noto que o tempo se acomodou nesse período de
repetições e não avança, avança, avança, avança. Uma lança? É Caetano chamando
a tristeza de senhora, Chico falando que a gente vai levando e Nietzsche me
cutucando o sangue e dizendo que a alegria é sim tão complexa quanto a
tristeza, fiquei feliz quando li isso na edição do mês de Outubro da piauí.
Deu-me
vontade de escrever uma crônica sobre um homem que usa drogas, fuma e bebe
quando bem entende, queria contar uma história sobre alguém que sabe das
consequências do que faz e mesmo assim comete. Por que tem vontade e acredita,
quase religiosamente nesse sangue regularizado por ele quando quer. Lembrei do
Quereres, de Caetano, agora fiquei com vontade de escutar, vou dá um pause no
novo álbum do Jeneci e colocar Caetano, na voz da Bethânia, enquanto continuo
por essas entrelinhas, depois volto pro Marcelo, ou não. Minto. Resolvi escutar
na voz de Caetano mesmo, com a Gadu, mudar um pouco.
Dia
desses achei uma pergunta no pensamento dizendo-me sobre de que era feito meu
universo simbólico, não recordo se a direcionei primeiramente ao eu ou se foi
só depois de ter imaginado fazendo-a a algum paquerinha que inicio um primeiro
contato. Talvez a segunda opção, até porque gente fugidia gosta de imaginar
situações onde quem faz as perguntas e quem comanda é ela. Feito olhar
desatento caminhando pelo centro da cidade entre ruelas e comércios
entrincheirados de anúncios, imagens e impressões vagabundas afixadas nas lojas,
dou um freio no passo, já dopado da atmosfera, por causa de uma barbearia,
ponto já antigo da cidade, nota-se logo pelo alinhado das roupas dos senhores
barbeiros, tesouras feitas do desgaste de uma estrada longa de cabelos, o
descascar da mobília e os pontinhos pretos, já fundidos num lago-mancha preto
nas extremidades dos espelhos, adentro como quem diz que não vai se demorar,
até minha observância se transformar numa estadia ao compasso do massagear e
cortar de meus cabelos; passei, parei, fiquei e divaguei: de que é feito meu
universo simbólico?
Recordei
da infância, é lá onde construímos boa parte dos símbolos. Valores são
estruturados, quantidades começam no movimento de relevância ao redor das
coisas, pessoas, palavras, atitudes, cheiros, sons, cores...boa parte é de lá,
e nossa leviandade é mestra em censurar a criança na fase adulta. Tento escutar
músicas novas com alguma regularidade, bordo num pano branco com linhas
coloridas e vou descobrindo que o mar pode ser bordado de rosa também, junto
com o azul.
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