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quinta-feira, 4 de abril de 2013

coração bobo, coração cor de árvore

Meu coração fala sem lágrima, uma inquietação que olha para as luzes dos postes da cidade rimada pela fileira de faróis intumescidos de pessoas dentro de seus carros. Eu choro. A bem da verdade o concreto seco do meio dia faz jorrar em suor alarmado as disparidades de um corpo propenso ao abraço em braços errôneos de sorrisos errados. Nesse momento minhas orelhas - já companheiras de longa data a escutar o burburinho da cidade - lavram-se em sangue e eu posso sentir o calor navegar-lhes pelo aperto de meu peito. As duas glândulas rentes aos meus olhos denunciativos revelam-se monte de poça a começar a se formar, como resto de água em reflexo preto de céu roto de beijo, o qual denuncia sirenes superpostas em minha garganta que começa a se fechar em nó de lágrima.

Sejamos sinceros, sejamos nossas palavras ditas. No caminhar apressado meus olhos são cansados e vegetam nas singularidades de uma cidade exonerada das opiniões de seus viventes: ela é o retrato nu de quem pisa em seus calçados todos os dias. E assim a percebo numa árvore secular reverberada de folhas privilegiadas de uma vista única que a nenhum dos viventes da cidade é possibilitada. Vê, a árvore cresce em seu vasto contínuo durante os anos marcados pelo relógio do desbotar das cores das embalagens refugadas em seus entornos. Suas raízes avolumaram-se. A Árvore estava ali cravada em meio ao cimento, à montanha de aflições dos transeuntes, ao regimento pluviométrico do clima, estava lá e crescia em verde vivo. Aquele organismo crescia em seu próprio renascimento individual e embora o farfalhar de suas folhas tocasse o desgraçar dos seres humanos e os nutrientes da terra, a Árvore crescia por ela própria. Quando volvi meus olhos para outro lugar que não estivesse mais em ângulo de presença da árvore e continuei apressado a remexer os membros, sai dali cor de árvore.

Abri os meus olhos também em cor de árvore à força que um súbito pensamento tomou-me, como mulher que te prende em susto, aparecendo por trás de suas costas com as mãos em sua boca e dizendo-lhe: sabes quem é?

Eis assim escrito, nas veias que davam vida ao meu cérebro e rasgavam adrenalina em meu coração, a frase clara: sempre podemos recomeçar.

E nessa frase havia com o nó da minha garganta a luminescência apesar de seca e humana: somos nós e apenas eu que pode guiar os próprios passos. Era o que o texto de Pessoa -  prenunciativo da música sonho impossível, cantada por Bethânia - dizia-me naquelas noites de incertezas confortáveis: (...) pois sendo mais do que um espectador de mim mesmo, Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso (...)

Cheguei ao ponto do ônibus e subi naquele veículo vermelho de sempre, com destino ao bairro dos Ipês, sem árvores. Subi e sentei-me em uma de suas cadeiras como quem pensa estar num carro seu e conduzi-lo com sua própria autonomia. Segui ainda com o aperto no peito.

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