Meu coração fala sem lágrima, uma inquietação que olha para as luzes dos postes da cidade rimada pela fileira de faróis intumescidos de pessoas dentro de seus carros. Eu choro. A bem da verdade o concreto seco do meio dia faz jorrar em suor alarmado as disparidades de um corpo propenso ao abraço em braços errôneos de sorrisos errados. Nesse momento minhas orelhas - já companheiras de longa data a escutar o burburinho da cidade - lavram-se em sangue e eu posso sentir o calor navegar-lhes pelo aperto de meu peito. As duas glândulas rentes aos meus olhos denunciativos revelam-se monte de poça a começar a se formar, como resto de água em reflexo preto de céu roto de beijo, o qual denuncia sirenes superpostas em minha garganta que começa a se fechar em nó de lágrima.
Sejamos sinceros, sejamos nossas palavras ditas. No caminhar apressado meus olhos são cansados e vegetam nas singularidades de uma cidade exonerada das opiniões de seus viventes: ela é o retrato nu de quem pisa em seus calçados todos os dias. E assim a percebo numa árvore secular reverberada de folhas privilegiadas de uma vista única que a nenhum dos viventes da cidade é possibilitada. Vê, a árvore cresce em seu vasto contínuo durante os anos marcados pelo relógio do desbotar das cores das embalagens refugadas em seus entornos. Suas raízes avolumaram-se. A Árvore estava ali cravada em meio ao cimento, à montanha de aflições dos transeuntes, ao regimento pluviométrico do clima, estava lá e crescia em verde vivo. Aquele organismo crescia em seu próprio renascimento individual e embora o farfalhar de suas folhas tocasse o desgraçar dos seres humanos e os nutrientes da terra, a Árvore crescia por ela própria. Quando volvi meus olhos para outro lugar que não estivesse mais em ângulo de presença da árvore e continuei apressado a remexer os membros, sai dali cor de árvore.
Abri os meus olhos também em cor de árvore à força que um súbito pensamento tomou-me, como mulher que te prende em susto, aparecendo por trás de suas costas com as mãos em sua boca e dizendo-lhe: sabes quem é?
Eis assim escrito, nas veias que davam vida ao meu cérebro e rasgavam adrenalina em meu coração, a frase clara: sempre podemos recomeçar.
E nessa frase havia com o nó da minha garganta a luminescência apesar de seca e humana: somos nós e apenas eu que pode guiar os próprios passos. Era o que o texto de Pessoa - prenunciativo da música sonho impossível, cantada por Bethânia - dizia-me naquelas noites de incertezas confortáveis: (...) pois sendo mais do que um espectador de mim mesmo, Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso (...)
Cheguei ao ponto do ônibus e subi naquele veículo vermelho de sempre, com destino ao bairro dos Ipês, sem árvores. Subi e sentei-me em uma de suas cadeiras como quem pensa estar num carro seu e conduzi-lo com sua própria autonomia. Segui ainda com o aperto no peito.
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