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segunda-feira, 1 de abril de 2013

transa

Hoje eu transei com o mar. Era eu todo ali na geleira de meus pés e minhas mãos que reverberavam os desatinos de aflições minuciosamente escutadas pelo meu sangue que jorrava como quebrar de onda. Eu era sangue, puro sangue; e mar. Fiz da areia cobertor para os pés em gelo vivo enquanto que nas minhas mãos, de areia não podia encobri-las, eu precisava de minhas mãos para me guiar, para através do mar e só do mar que vinha em forma de maresia, deixar os jardins de minha pele tremeluzirem no silêncio cheio de eu. A bem da verdade naquele silêncio havia o encontro profundo entre o orgânico e o inorgânico.

Levantei-me de encontro ao mar, a areia em meus pés jorrava o incômodo do roço com a pele: era o incômodo da vida que gira, gira feito um mundo que vira do avesso onde a cabeça continua em normalidade e é você quem precisa revirá-la para com o mundo seguir de avesso.Ali naquela areia cor de mundo eu via a natureza das mágoas em meus pés cheios de areia. A pequena dor silenciosa da areia em meu corpo travava a briga entre o cair novamente no monte de areia primário e no continuar da desordem em meus pés enquanto fazia o caminho de encontro ao mar. No pequeno espaço que me separava enquanto caminhava ao mar eu ainda assim sentia o roçar desordeiro da areia que antes acalentara meus pés chorosos de lar. Era a areia lutando para não voltar ao seu lugar, era eu lutando para estar exatamente em meu lar. Meu lar também era o mar, com a dor da areia e do repensar; com a dor. O lar é, apesar da dor, ainda é.

Parei a um intervalo seguro, afastado do beijo do  mar como quem espera sabendo que a qualquer palpitar mais acelerado de coração o mar vai chegar. A distância era exatamente essa, parado ali eu tentava descansar meus ombros de mogno. Fechei meus olhos salinos e escutei o mar. Acreditara e reconhecera o que os olhos de concreto e poeira jamais perceberam: estava oculto quando na verdade estava óbvio - era meu coração chamando as veias de puro sangue a se tornarem apenas sangue oxigenado, começara a ouvir a música do mar. E transei com ela. Cada parte do meu corpo era um instrumento que o mar tocava e vibrava em comoção como as impossibilidades das notas musicais que Elis conseguira alcançar. Eu além de mar, era vibração. No começo a música do mar veio-me como objeto único, em unilateralidades primárias que massageavam meus ouvidos para o som do desencadear das ondas longínquas. Nuvens que se dissolviam ao tocarem-se - e a cada toque ouvia-se o ressoar musical como anjo de voz de cristal - eram as ondas do mar ao tempo exato da mãe terra.

Eu estava lá com minha pele brotando flores e escutando as ondas do mar. [glub, glub, glub, glub]
Eu transei com o mar. Os sons daquele monte de água me vinham nítidos e de olhos fechados respirei as nuvens, que jorravam a todo instante, de mar. Abri os olhos com receio que descobrissem que eu ouvia a música do mar. Revolvi os tornozelos e com os pés ainda em gelo segui para o cimento, o concreto e a liquidez [desgraçada da vida] que o mar não tem; do mar só a liquidez purificadora de miasmas.

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