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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

sem títulos

2013 em algumas palavras:

passagem
passa
passageiro
à bordo
estrada
horinhas de descuido

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Movimento: entre águas, desenho, carvão e traços,

Deu-me vontade de te ter mais perto de mim e desenhei, dizendo para o coração que aquilo seria só um esboço de despropósito. Findo o conjunto dos traços, notei, com o olhar, agora distanciado, que o ângulo estava equivocado. Foi um esboço, uma primeira tentativa de conhecer as curvas que formavam teu rosto. Depois, já atento, fiz um outro esboço e nesse, tuas inclinações e descontinuações estavam mais tuas e eu te conhecia pela segunda vez. Guardei o papel na pasta preta e deixei na madrugada germinar.

No outro dia, era tempo de fazer o preto do carvão parir tons escalados. Juntei o material, arranjei uma folha maior,de papel mais forte para suportar o atrito do esfuminho e o umedecer das pinceladas, organizei tudo e comecei a tocar você. Engano. O carvão era rude demais fazendo teu rosto ficar com os tons equivocados. Quis começar novamente, mas apenas dispunha de uma única folha forte, duradoura para fixar o desenho. Continuei, definhando pequenos bolores de papel, errando tons, me aproximando de ti.

Dentro de todos os erros, fui construindo naquele papel um símbolo de você. O desenho ficou com os tons sujos, demasiadas nuances entre as escalas de cinza. Ficaste próximo. Penso que morreste todos os dias. Que um dia passe que nem ondas do mar.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

eu te amo

Ela não dá boa noite, nem o beija, muito menos dispende horas de conversa com ele, são minutos entre barulhos de talheres e goles auditivos de xícaras de café. Os dias se passam, embora não se passe um só dia em que ele não chame pelo seu nome para que ela cumpra com seus deveres de cuidado. Comunicam-se pelos números informativos do dia de ir pegar a aposentadoria no banco, das horas e minutos dos remédios e chazinhos ou pelos números dos canais da televisão. Com as mãos ela diz eu te amo, com as mãos que massageiam suas costas cheias de comichão e enxaguam seu corpo, com os dedos que pigam as gotas de colírio, com a roupa devidamente passada, com a palma que verifica a temperatura da papa. Os dois dormem, e ela diz eu te amo todos os dias.

domingo, 17 de novembro de 2013

sobre tecer fios

começo dando nome ao texto porque me é nítida a figura do trabalho manual de tecer fios, um por cima dos outros, de forma ordenada ou não, quando se recorre a abstrações da vida futura. é assim, a gente chega só com um pedaço de linha, depois com um esforço maior adquire uma agulha e, sem querer, por uma sorte daquelas de quem acha dinheiro no bolso, obtém um pano pra começar na tecelagem de fios. os fios vão se entremeando e você vai adquirindo mais cores de linhas, depois de um tempo até consegue organizar um degradê, meio tímido, mas de ser notado, de cores. e o fio que era só azul, nem fio você supus ser quando o vê já difundido entre os outros fios azuis, desembocando numa outra cor. no começo era só você e o fio, com um punhado de esperança na mão, de olhos costurados numa fixidez apontada para qualquer movimento que a terra fazia naquele momento. daí você vai parando de olhar para o lá da frente porque, com as duas ou três tecelagens que você já tem, já te falaram ao peito que são belas enquanto estavam sendo feitas. começas a gostar do silêncio que faz entre o teu presente de fios em construção e o futuro de fios terminados. apaga o cigarro, volta a dormir, amanhã tem mais.

domingo, 10 de novembro de 2013

Das imagens que não se apagam


Fiquei doente. Pra falar a verdade, tive mais uma daquelas viroses de gargantas. Mesmo sabendo que seu aconchego estava próximo, tomei uma dose de vodca e me rendi à doença. Sabe daquela gente que comete excessos alcóolicos e não adoece? Comigo é de vias opostas, a dose foi única, mas o mal estar da garganta falou-me durante toda a semana, dando avisos de que me abraçaria ainda mais de perto, revolvi meus olhos ao corpo chamando por Deus; vai Senhor, não me deixa desabar, nem plano de saúde eu tenho e o dinheiro desse mês foi embora junto com a vodca e a festa do hallowen.

Comigo é meio assim, como quem é médico e conhece o cheiro típico do catarro e dos sons que ele provoca quando ainda batuca no corpo murchado. Vivo períodos de estiagem, quando a seca assevera-me o coração, peço para segurarem-me os olhos, com aquele mesmo impositivo dos enfermeiros que imobilizam o corpo da criança pequena, ainda apta a bambolear com as pernas, indo e vindo, feito ondas do mar, a diferença é que agora permito que o façam, para ver o cru e o abundante do sol ressoar de interações de luzes fechadas, mormente delineadas pela fome e pelo sofrer da gente que pede para que a chuva deixe de lado o orgulho e venha beijar a falta de água. Olhei com os poros cheios de suor, pergunta-se a alguém se é de boa escolha assumir a doença como uma cura. Se assim fosse, não mais me preocuparia tanto esse pessoal que fuma e bebe a vontade porque mesmo que o cigarro e o álcool sejam impressoras officejet, o dano viria para amenizar a outro de gravidade bem maior visto de olhos bem cerrados por muita gente. Fórmulas são tão boas quanto conta-gotas.

Então eu gosto de repetir a palavra labuta pra dizer do ritmo sem muito sal onde penso que a vida se situa quando noto que o tempo se acomodou nesse período de repetições e não avança, avança, avança, avança. Uma lança? É Caetano chamando a tristeza de senhora, Chico falando que a gente vai levando e Nietzsche me cutucando o sangue e dizendo que a alegria é sim tão complexa quanto a tristeza, fiquei feliz quando li isso na edição do mês de Outubro da piauí.

Deu-me vontade de escrever uma crônica sobre um homem que usa drogas, fuma e bebe quando bem entende, queria contar uma história sobre alguém que sabe das consequências do que faz e mesmo assim comete. Por que tem vontade e acredita, quase religiosamente nesse sangue regularizado por ele quando quer. Lembrei do Quereres, de Caetano, agora fiquei com vontade de escutar, vou dá um pause no novo álbum do Jeneci e colocar Caetano, na voz da Bethânia, enquanto continuo por essas entrelinhas, depois volto pro Marcelo, ou não. Minto. Resolvi escutar na voz de Caetano mesmo, com a Gadu, mudar um pouco.

Dia desses achei uma pergunta no pensamento dizendo-me sobre de que era feito meu universo simbólico, não recordo se a direcionei primeiramente ao eu ou se foi só depois de ter imaginado fazendo-a a algum paquerinha que inicio um primeiro contato. Talvez a segunda opção, até porque gente fugidia gosta de imaginar situações onde quem faz as perguntas e quem comanda é ela. Feito olhar desatento caminhando pelo centro da cidade entre ruelas e comércios entrincheirados de anúncios, imagens e impressões vagabundas afixadas nas lojas, dou um freio no passo, já dopado da atmosfera, por causa de uma barbearia, ponto já antigo da cidade, nota-se logo pelo alinhado das roupas dos senhores barbeiros, tesouras feitas do desgaste de uma estrada longa de cabelos, o descascar da mobília e os pontinhos pretos, já fundidos num lago-mancha preto nas extremidades dos espelhos, adentro como quem diz que não vai se demorar, até minha observância se transformar numa estadia ao compasso do massagear e cortar de meus cabelos; passei, parei, fiquei e divaguei: de que é feito meu universo simbólico?

Recordei da infância, é lá onde construímos boa parte dos símbolos. Valores são estruturados, quantidades começam no movimento de relevância ao redor das coisas, pessoas, palavras, atitudes, cheiros, sons, cores...boa parte é de lá, e nossa leviandade é mestra em censurar a criança na fase adulta. Tento escutar músicas novas com alguma regularidade, bordo num pano branco com linhas coloridas e vou descobrindo que o mar pode ser bordado de rosa também, junto com o azul. 

domingo, 13 de outubro de 2013

aprende

Quando eu só sou as nuvens ficam lindas
Quando eu só sou é calmaria
Quando eu só sou, sou ser humano
Quando eu só sou, coração respira sorrisos
Só sendo não tenho medo
Só sendo sou ave
Só sendo sou liberdade

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

leia novamente

sexo
lava a louça
humanidade
tua barba
sabe, 
que você é lindo porque é ser humano
deus, você tem olhos,
sai em vibrações
geme
é em olhar você
que nós transamos juntos
quando tu me corresponde
com outro 
olhar,
acorde
um acorde
para eu e tu cantar
nem pensas que seja assim
é tão bom alisar teu cabelo
em[quando]
te vejo dormindo
deixa-me ligar esta música
estamos sorrindo
dizemos
o que?
pensei em te amar
ouvi o tropical
decidi apenas te querer
sai,
vê o mundo
e observa
a hum [aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa] ni da de

domingo, 8 de setembro de 2013

um título para essa [põe][ia]

Para mais uma noite de verão, eu olho pela janela enquanto o ônibus faz a curva. Cada descida, subida, freada, na verdade, cada percurso, e durante todos esses que o ônibus faz até a minha casa, é minha vida. Vejam-me bem, não é de se preparar para ter o coração em alternações escandalosas quando este mesmo  já por sua natureza humana carrega morte a cada oxigenação. Carrego minhas mãos e as levo até o céu para, junto de meus braços, circularem pelos rostos de todo esse povo que não me diz respeito, dance-as! 

Olhar para um conjunto de vazios imersos num substrato coerente: sim, é preciso impor-se à própria boca que se contrai em presença de gente estranha, sim, viver é necessário. Rasguem-me um saco de bolas multicoloridas em cima da mesa de jantar. Preciso respirar como boi bumbá! Autentiquem-me numa escada feita de grama.  Desconstrua esse verso de amor talhado à pó. Dar-se com chuva, feito gaiola, sabiá.

Um sopro, continuo tendo a capacidade [humana] de mar, ar, amar. Com que coragem se delineia o canto de um sabiá? Desenhe, menino, o bater do tambor do axé é amar. Reflua-se para quem tu ama e dar-se, em todo de não se esperar, para quem tu esperas pelo beijo com a luz branca da tela do cinema, resume, dê-se, em mente, que não precisas esperar: chocolate.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Padrões

Pensei em adotar atitudes pasteurizadas e opacas, atitudes padrão. Adotando um padrão talvez seja dispensável a aflição do não saber o que e como fazer. Ora, se o limite é ultrapassado, adotando uma mesma atitude para as situações, a mente e o coração encontram, no mínimo, um sossego de uma noite bem dormida. É que ainda dou meus olhos cheios de sangue advindos do coração.

Parei a leitura por um instante e divaguei entre os móveis banhados pelo semitom acinzentado da lua até sentir a dorzinha de aterrizar os braços na divisória da varanda, entre o apartamento e o vazio do céu do mundo. Lê aquele diário de notas corriqueiras, entre ônibus tardios e acepções multicoloridas de um adolescente de treze anos, fez-me o pensamento nadar em cima do mármore que delimitava as portas de cada cômodo do apartamento. 

Eu queria ser uma lata de tinta multicolorida, não, talvez azul, que é a minha cor preferida, ainda não. Afinal, só o conteúdo da lata de tinta azul. Joguem-me todo em alguma superfície que não seja o mar! O mar já é azul e o líquido sou eu. Necessário dizer da sujeira que ficará na superfície, o espatifado e, por ventura, a queda de objetos ao se depararem com o peso da tinta, numa onda de azul denso. Embora a tinta seja livre, ela não se liquefaz ao ser jogada contra as superfícies não-mar; humana.

Chove lá fora, enquanto eu, seco, me pergunto se não estou suando por dentro.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

1poema1

sonhei com uma palavra que dava um poema
se não a recordo
é para o seu significado impregnar
e desmistificar os meus olhos
para o que possa ser sólido
e praticável

desatem-se todos os laços
feito todas aquelas janelas que há no mundo
do Ultimatum de Álvaro de Campos
deixa dançar, deixa sorrir, deixa escrever
e fluir

sábado, 27 de julho de 2013

lavando, bebendo, ouriçando

Afigura-se assim, o mundo exige uma postura de sangue coalhado. Escrever aos impulsos da escolha das palavras do pensamento tem sido o relaxante natural desses dias de realidade arquetípica. Vem Vênus, incólume num palacete azul-dourado a perguntar-me o porquê das coisas e eu, simplesmente, respondo com um outro porquê. É assim que a vida vem levando aos montes, por trilhas de tijolinhos amarelos e penhascos aterradores de impulsos nervosos consubstanciados pelos sonhos de uma noite que apesar de dormida em uma constante pelas horas, deságua numa inquietante manifestação de deuses corrompidos.

Contraindo as veias e deixando o suor expelir-se pelos poros disfarçados, absorvo as perguntas de seres não reconhecidos em suas realidades mas enfrentados no momento típico de uma rotina diária que se derrama pelos dias semanais. Viver é como escrever a sangue frio e, quando digo isso, digo mais pelo impulso inconsciente que o ajuntamento de tais palavras elabora e liquefaz em minha escrita do que pela constatação da pressuposição contida na frase em si; e talvez seja. Afinal, as significações de palavras e atividades nascem influenciadas por nada mais que isto: dores, vivências e os dissabores de uma solução dada num recorte estimado de temporalidade.

O que faço agora é tocar o play do youtube e deixar os ouvidos abraçarem os esquadros da Adriana. Adiei a música pouco antes do começo dessas palavras, muito mais pela necessidade de desaguar na escrita ao invés de esperar pela conexão do rolar da letra, do que por uma atribuição de um sentido metafísico para a construção desses fragmentos, embora também assim o seja. Eu ando pelo mundo.. e meus amigos... cadê minha alegria? meu cansaço? meu amor, cade você?

Texturas são ventos que perderam o caminho do atlântico. Toquei uma ou outra pedra. Esbarrei em gente numa avenida qualquer da cidade. Tudo isso na senhora tempo, que muda todos os dias embora nunca envelheça, foi Caê que falou. É nesse verdadeiro detergente com água e sabão em barra que encontrei, entre esses caminhos sorrateiros que você acha que nunca vai entrar, que olhei algo precioso e até marco para novas rotas. Olhei foi gente, olhei corações e simplicidade. Dica: paradoxal o mundo, gente de carne, osso e sentimentos destrói e constrói o mundo e é essa gente que faz o mundo valer o centavo gasto com livros, xerox, bebidas e lápis para desenho.

domingo, 30 de junho de 2013

drawing

causei transtorno no desenho, fiz dele coisa sem dono, ouvi nozes baterem a porta
fechei meus olhos como quem olha o mar
dancei com toda aquela gente que navegava sem particular
pululei meu sorriso
no outro dia, no banho, decidi voltar a desenhar
com o lápis em mãos fui fazendo rabiscos com os pés no chão
errei algumas curvas, prestei novamente atenção
refiz algumas curvas e, imperfeitas, continuei a desenhar
quando dei por mim, assemelhava-se os rabiscos à figura
embora os olhos fossem diferentes
ainda assim continuei a desenhar

terça-feira, 18 de junho de 2013

Protestei em São Paulo

queria, mesmo, mapear todas as letras antes de falar
impossível, falar é redemoinho que empunhamos numa direção
falar é sangrar.

Lili recolheu suas sacolas do chão opaco e subindo as escadas, deixou para trás a poça vermelha, junto com o trem e a plantação de traços e linhas que, no rosto das pessoas, a acompanhou no metrô, no trajeto de seu apartamento para as hemácias de adrenalina que andavam pela avenida Paulista.

terça-feira, 11 de junho de 2013

chuva, suor e cerveja

Eu te deixei. Fui sonhar com o gosto das massas e das maçãs, escutei muito essa música. Aquela pressão no peito que me desvelava para a sombra do gradeado da janela na parede branca de meu quarto se foi. É, amor, um dia jurei que você era só parte de mim e me perdi. Nesse momento que escrevo, o alvoroço da presença da borboleta amarela em degradê branco, que veio me dá poesia pela abertura da janela, já arrefeceu, a borboleta desapareceu e eu escrevo com a coragem de tentar, ao menos, sorrir sem constrangimento para os que não me conhecem. Viver com o coração cheio tanto quanto me ser de dente-de-leão que se desfaz ao som da ventania das colinas.

Qual o vento que me leva? Talvez tenha sido ele que trouxe-me a chuva do sábado. De início não quis, achei todas aquelas gotas importunas para a ocasião da saída, ressabiei-me. Mesmo assim elas me deram mordidas, modificaram a minha temperatura e exibiram a cor viva que uma roupa molhada tem. A chuvarada aumentou e minha camisa grudou em meu corpo, abandonei a pouca proteção que tinha e fui me molhar, a chuva, antes negada, agora fazia-me ser sorrisos desconstrangidos pelo meu corpo, que dançava e gargalhava, nas entreluzes que as copas das árvores revelavam, feito uma criança feliz.

Continuo com aquelas doses de adrenalina somatizadas pelo pavor do desconhecido. No fundo, é assim, de matéria de viver, embora busque o sorriso da criança que comia pão-de-queijo nas tardes de segunda-feira assistindo televisão e fazendo de mimo a orelha da empregada, tem-se muito mais da frustração de não poder ter o desespero, confortável, típico de criança. Mas, é na minha humanidade que me vejo transparente e posso ver também o cristalino de minhas células, é só assim que posso seguir com meus erros, de coração tecido em rede de índio.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

atentando

Acho que não tenho medo mais de baratas,
começo a aceitar minha humanidade...

olho-os em seus olhos, 
não, eles não podem me invadir, como pensava...

voz em lata de leite ninho,
voz, que seja, voz, agora, em lata de deleite mundo.

terça-feira, 14 de maio de 2013

costura

Meus olhos seguiam o compasso das letras do livro, enquanto eu imergia no pequeno lago escondido, em meio ao matagal, daquela floresta que eram as histórias dos personagens. Passadas já as primeiras páginas, notei o grafite, eram traços tortos feitos com lápis grafite, provavelmente daqueles que em seu corpo vem aquela tabuada de matemática com aqueles resultados precisos. Mas os traços marcados ali, no livro, eram tortos e alguns pareciam mesmo feitos à esmo.

Página por página os traços vez por outra apareciam, sublinhando alguns trechos ou rabiscando asteriscos. Poucas gotículas se precipitam no abismo céu até despedaçarem-se no próprio céu em algum bocado de moléculas, depois, se as nuvens estiverem com muito vapor concentrado, empunhadas daquele cinza de massa de papel reciclado, o volume de gotas aumenta e a chuva torna-se densa, tornando audível o som da chuva. Eu era a chuva, o som da chuva eram os traços. Até que com um sorriso de satisfação encontrei o que minha tensão de gotas de chuva denunciara há muito:

- Parlez-vous français ?

Os riscos haviam se transfigurado em palavras francesas. Eu não sabia falar francês, mas compreendi o convite que elas me faziam. A disposição das palavras me obrigou a revirar o livro, mudando-o de posição aos poucos para pegar carona no embalo daquelas frases. Havia também o nome do provável autor, era uma menina que tinha três palavras no nome. Existiam outros períodos em francês, mas destes não me recordo. Sorri formando bolsas e rugas nos olhos. Um sorriso de pouca gente e de muito de mim.

Parei mais alguns minutos naquela página e segui. Um dia aprendo francês.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

A casa do silêncio

 Mabelle era só olhos. Sentada no sofá, percorrendo por linhas que tempos atrás, não muito distantes, ou mesmo muito distantes, foram paridas pela tinta preta das gráficas, seus lábios em intervalos de especulações, dúvidas e sorrisos – todas essas emoções tão íntimas de Mabelle, mas feitas em ações e por pessoas que nem sequer existiam ou faziam da possibilidade de encontro físico uma mera divagação – apertavam-se ou abriam seus braços para pôr a língua de cobra para fora, como quem sonda a temperatura do ambiente para familiarizar-se com a temperatura da presa e em silencioso ataque deglutir todas as suas partes; é que Mabelle comia as palavras naquele momento. Era quase possível ouvir-se o barulho do lubrificante ocular a cada pendular de olhos da menina pequena e loira, enquanto lia gostosamente as páginas de livros ou revistas, ou mesmo livros e revistas. Mabelle gostava de tê-los por perto mesmo quando já em mãos de um, deleitava-se ao findar em momentâneo a leitura para observar aqueles outros montes de palavras dispostos ao seu aconchego, quase lhes tocando a pele, como um abraço Mabelle sentia a sensação de estar sendo abraçada, era por letras.

Embora fosse agradável, as suas leituras diárias noturnas não inibiam seu corpo de sentir o suor escorrendo por sua pele e molhando em mesma aparência de lavagem do primeiro contato da roupa com o tanque de lavar, naquele momento em que a água começa a entrar nas vísceras do emaranhado de linhas, a sua velha blusa de dormir. A menina tinha algumas velhas blusas de dormir, de várias cores que o passar dos anos não conseguiu desvanecer: azul marinho, amarelo, azul mais claro que o marinho, branco com azul e recentemente mais duas propriedades, uma branca e uma laranja.



Mesmo com o suor já a fazendo perceber que estava sentada no sofá maior da sala-de-estar e não nas nuvens, nos ambientes dos personagens ou em imaginações sólidas para o coração que vez por outra se acelerava, Mabelle ainda prosseguiu pela leitura por mais três pingos de suor. Levantou-se e ficou em pé durante algum tempo observando as pequenas muriçocas zonzarem ao lado daquelas tábuas de madeira e vidro que botam no meio da sala-de-estar em todas as casas, às vezes elas são feitas de material menos convencional, numa mais arriscada aceitabilidade para o público visitante da casa, ou mesmo feitas apenas de madeira ou de vidro. Mas ali para o Pai e a Mãe de Mabelle, elas eram feitas de madeira e vidro seguindo os milhões de modelos parecidos, postos em vitrines de grandes lojas de decoração ou mesmo levando o mormaço do sol, naquele momento em que ele fica em cima de nossas cabeças, nas lojas populares do centro da cidade. O casamento das tábuas de madeira com as tábuas de vidro era de uma aparente atual concepção decorativa, mas que mesmo assim se exibia em quinas retas pelos cortes retangulares. Mabelle olhou para os sujeitos que por hora a nutriam em letras, tinta e papel, e seguiu para a cozinha, já com as costas menos molhadas por uma intervenção das mãos e do antebraço, e, portanto, com esses membros ainda úmidos quando segurava o copo que se enchia de água.

Observava a água do botijão azul munido de um papel grudado em seu meio, com uma palavra que parecia mais onomatopeia pela quantidade de vogais; era o nome comercial da empresa que fornecia essa água, líquido agora percebido em pequenas ondas a formarem-se, ele estava mexendo-se de um lado a outro de seu diâmetro circular, que pacientemente Mabelle esperava depositar-se em seu copo vermelho-cereja. Agora o botijão dava o arroto típico dos botijões que estão em processo de usurpação pelo indivíduo sedento de água mineral. Mabelle estava esperando por esse momento e com um sorrisinho de gato observou as bolhas aparecerem, causadoras da falta de educação do botijão com água. É um mergulho da água dentro dela mesma por causa do ar que vai aparecendo à medida que mais pessoas sedentas saciam sua sede, primeiro é o ar que abre caminho, depois vem à água preencher o vazio do ar – pensava os olhos e os cílios brincalhões de Mabelle, enquanto seu nariz, parte de suas bochechas e todo o seu lábio superior era coberto pelo copo em redondo vermelho-cereja, mas era um redondo que se ia afinando até a sua base, assim como era Mabelle. Os seus olhos eram observados pelo botijão com bolhas.

Momentaneamente saciada e já prevendo as gotículas a se materializarem em machas de suor na sua blusa, amarela cor de sol naquela noite que parecia a alma gêmea da camisa, Mabelle seguiu caminho para o sofá também amarelo, mas esse era cor de queimado, e o uso da expressão ‘seguir caminho’ se faz muito mais pela enorme diversidade de floresceres que habitavam na cabeça de floresta de Mabelle e que, portanto davam um volume ao seu caminho, do que pelo próprio percurso mínimo entre a cozinha e a sala, naquele apartamento térreo.

Era noite e o apartamento voltava à sua casa. O já conhecido silêncio cheio imergia facilmente nas acepções de Mabelle. O ranger da cadeira parecia ter o peso de um elefante com a tromba cheia de água. Assim como o som do arroto do botijão de água era audível do quarto dos pais da menina Mabelle. A TV estava desligada, todas as luzes da casa estavam apagadas, com exceção da luz que nutria as palavras da leitura da menina. O relógio faria o barulho que causava outrora a irritação de Mabelle na hora da dormida. Hoje, o mesmo relógio encontra-se no banheiro do lado esquerdo do quarto de Mabelle, mas não causa mais o descontrole da menina loira dos olhos castanhos. Ela aprendeu a olhar o tempo sem se incomodar com o barulho que ele faz.  Podiam-se ouvir os poucos carros que passavam na pista, alguns desesperados e fotografados pelo radar. O silêncio falava e Mabelle continuava a ler muitas palavras escritas e a não suar as palavras faladas. Sem vento e com o calor de sopro deSertões, o cabelo, que quando em sua meninice nomeavam-no amarelo, da menina não parecia ligar para os pés gelados de seu corpo.

As lentes de seus óculos estavam arranhadas e já maltratadas, menos do que o período de seu uso do que pelas inúmeras quedas – que acabavam por desgastar a armação – e limpezas indevidas feitas pela pressa de Mabelle em ver o mundo em alta definição; fora nesses termos que ela se expressara ao iniciar pela primeira vez a transa entre os óculos e seus olhos, enquanto seu pai dirigia o carro na movimentada avenida de um dos inúmeros aglomerados de cimento, porcelanato e sacolas que eram chamados por todos convencionalmente de shoppings centers. Uma agradável sensação de não ver mais o mundo em telas impressionistas. Era através dos óculos, já humanos, que Mabelle via o mundo.

Enquanto lia, a menina além de suor, brotava poesia: o castanho do que era mais nítido e preciso nela dizia, leve-me, deixe-me velejar onde eu possa jorrar o que de mim está cheio e que vazio aparenta ser, para assim, agarrar-me, já leve, em mim mesma; leve-me, te peço, que agora já estarei leve.  Para não deixar que o sol da manhã a visse, Mabelle como bom auspício, seguiu para o caminho da cama, passando pelo relógio numa rápida trilha, já nutrida de muitas palavras, e chegando ao calor gostoso, com o lençol de abraço, de sua cama. Mabelle deitou-se e dormiu leve.

Os dias naquele apartamento eram noites desveladas. O silêncio era o Pai, a Mãe e o Avô, as palavras das folhas impressas de Mabelle, as filhas. E era ali que Mabelle sabia de sua diatribe.






terça-feira, 9 de abril de 2013

volta, só amor, para mim


Era eu naquele momento a olhar em vasto contínuo a tristeza em forma de sombra seca a atingir a nudez sombreada de minha alma, já devassada por uma vida seguida por escolhas alheias, jamais minhas. Relembrei-me do Cântico Negro, ouvido e declamado tantas vezes por você com sua cor que mais parece delicada sutileza da criação divina, à qual, num desvio das mãos do criador, revelou-se num tom acima das outras paletas de cores amarronzadas, já conhecidas aqui na terra. Em verdade, tua cor, que cobre teu corpo inteiro, e tal constatação se faz muito mais pela acentuação da beleza ao pronunciar os sons dessas palavras do que pela obviedade, ainda que discutível, da lógica monocromática das peles dos seres humanos, é misto de cores, é o amor a falar quando o sol bate em tua pele e se estabiliza em beleza bruta por tua face, teus lábios africanos, teus olhos de índia. Olhava, com olhos de coragem ao desconhecido, você em tom súbito, em sua delicadeza não ouvia o respingar de minhas agonias noturnas – quando, em momento da noite, já depois da escalada diária feita pela lua ao compasso das horas, no qual ela está numa distância que faz minhas articulações e músculos do pescoço moverem-se, redirecionando a cabeça para cima, para olhar a branquidão cor do leite tomado antes de dormir da lua, eu deito e divago por ter imergido fora de você – margeadas no torpor dourado solar, em meu rosto. Você não ouvia, nem me via, mas era só pensamento em mim e nas nossas escolhas diagramadas pelo senhor tempo. Teu rosto naquele momento era ternura e dor, enquanto no meu, além da luz do sol, das divagações noturnas, também era cor de desafio: eu necessitava do calor de teus braços para poder abrir forte os meus contra o sertão que era a vida.

Por favor, por favor eu preciso de você. E ao dizê-las, assim, dessa forma, notei que as realmente dizia pela primeira vez. Foi naqueles poucos segundos, entre a dança intranquila de minhas cordas vocais, minha língua e meus dentes, que tomava, depois de tantos anos junto ao teu lado, como verdade o precisar de você. Você continuava a não olhar-me pelos olhos, nem para qualquer outra parte, feita de carne, minha. Você olhava para o estigma de teu demônio, rastro contínuo e pulsante: era como órgão feito de células, com excrementos e canais de nutrição, crescia como um câncer.

Você me pedia, não deixe-me fechar os olhos, e eu, dizia para te acalmar menina, meu sangue, quente, está aqui te rodeando através de meus braços apertados junto ao teu corpo. Ilusão minha era pensar que podia acalmar-te em sensações passageiras as tuas mágoas. Por dentro, na verdade, eu fingia ser tudo aquilo que você queria que eu fosse, te ajudando a segurar os olhos. Mas, sabia, só quem podia domar e sentir teu demônio era tu mesma. Não, não adianta menina esconder a dor que sentes para numa vã sabedoria esquecê-la de tua vida. Para a dor, e aquele ser que tu mesmas criastes, sair, era preciso, antes de mais nada, que o assumistes como teu. Assumindo a tua dor, tu mais tarde descobririas, sentiria pelas lágrimas jorrando em água de mar, iria viver, como pele que arrepia, a sua humanidade: sim, você era humana. E nosso defeito é esse mesmo, não admitimos que somos humanos, que erramos, que ludibriamos e escondemos nossas mazelas. Tu eras humana e quando assumisse tua dor finalmente veria a delícia e a dor de ser o que é, como dizia meu Caetano de tardes em vitrola regada a vinho, queijo e mar.

Teu demônio rastejava à procura da água na madeira da lavagem dos porcos. Seus gritos não eram ouvidos por nós, nem por você menina. Seus gritos eram postos à voz do seu coração, e os dois, o demônio e o teu coração, gritavam juntos a poesia que é a vida. É da dor, do chorar mais infeliz que se vê a felicidade emergindo como a inevitabilidade do raiar do dia. Entendes, menina, entendes que teu demônio precisa da atenção de teu coração e não de teus olhos cansados e blefados por teus sorrisos sem ritmo de todos os dias. Mata-o! Contempla a luz do por do sol e vê, menina, que esse intervalo em que o sol se põe é passageiro, assim como tua vida e tuas mágoas! É tudo passageiro, e, talvez, seja por esse caminho que a vida se faça em profusão de luz e beleza.

Pega as madeiras de tua coragem e rasgas os portões e a cerca do sertão de tua vida. Vais, sem medo de se cortar, e de ficar suja pelo ferrugem dos choros contidos. Vais menina! Mata esse demônio nu, que divide diariamente a luz do sol com tua pele, e voas bem alto para nunca mais voltar. Voas, voas que talvez onde chegares possas me encontrar, agora sem o demônio a nos refugar as almas. E quando chegares, bate na porta das nuvens que estarei te esperando de braços abertos e, dessa vez, sem sangue, apenas e só, AMOR.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

coração bobo, coração cor de árvore

Meu coração fala sem lágrima, uma inquietação que olha para as luzes dos postes da cidade rimada pela fileira de faróis intumescidos de pessoas dentro de seus carros. Eu choro. A bem da verdade o concreto seco do meio dia faz jorrar em suor alarmado as disparidades de um corpo propenso ao abraço em braços errôneos de sorrisos errados. Nesse momento minhas orelhas - já companheiras de longa data a escutar o burburinho da cidade - lavram-se em sangue e eu posso sentir o calor navegar-lhes pelo aperto de meu peito. As duas glândulas rentes aos meus olhos denunciativos revelam-se monte de poça a começar a se formar, como resto de água em reflexo preto de céu roto de beijo, o qual denuncia sirenes superpostas em minha garganta que começa a se fechar em nó de lágrima.

Sejamos sinceros, sejamos nossas palavras ditas. No caminhar apressado meus olhos são cansados e vegetam nas singularidades de uma cidade exonerada das opiniões de seus viventes: ela é o retrato nu de quem pisa em seus calçados todos os dias. E assim a percebo numa árvore secular reverberada de folhas privilegiadas de uma vista única que a nenhum dos viventes da cidade é possibilitada. Vê, a árvore cresce em seu vasto contínuo durante os anos marcados pelo relógio do desbotar das cores das embalagens refugadas em seus entornos. Suas raízes avolumaram-se. A Árvore estava ali cravada em meio ao cimento, à montanha de aflições dos transeuntes, ao regimento pluviométrico do clima, estava lá e crescia em verde vivo. Aquele organismo crescia em seu próprio renascimento individual e embora o farfalhar de suas folhas tocasse o desgraçar dos seres humanos e os nutrientes da terra, a Árvore crescia por ela própria. Quando volvi meus olhos para outro lugar que não estivesse mais em ângulo de presença da árvore e continuei apressado a remexer os membros, sai dali cor de árvore.

Abri os meus olhos também em cor de árvore à força que um súbito pensamento tomou-me, como mulher que te prende em susto, aparecendo por trás de suas costas com as mãos em sua boca e dizendo-lhe: sabes quem é?

Eis assim escrito, nas veias que davam vida ao meu cérebro e rasgavam adrenalina em meu coração, a frase clara: sempre podemos recomeçar.

E nessa frase havia com o nó da minha garganta a luminescência apesar de seca e humana: somos nós e apenas eu que pode guiar os próprios passos. Era o que o texto de Pessoa -  prenunciativo da música sonho impossível, cantada por Bethânia - dizia-me naquelas noites de incertezas confortáveis: (...) pois sendo mais do que um espectador de mim mesmo, Eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso (...)

Cheguei ao ponto do ônibus e subi naquele veículo vermelho de sempre, com destino ao bairro dos Ipês, sem árvores. Subi e sentei-me em uma de suas cadeiras como quem pensa estar num carro seu e conduzi-lo com sua própria autonomia. Segui ainda com o aperto no peito.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

transa

Hoje eu transei com o mar. Era eu todo ali na geleira de meus pés e minhas mãos que reverberavam os desatinos de aflições minuciosamente escutadas pelo meu sangue que jorrava como quebrar de onda. Eu era sangue, puro sangue; e mar. Fiz da areia cobertor para os pés em gelo vivo enquanto que nas minhas mãos, de areia não podia encobri-las, eu precisava de minhas mãos para me guiar, para através do mar e só do mar que vinha em forma de maresia, deixar os jardins de minha pele tremeluzirem no silêncio cheio de eu. A bem da verdade naquele silêncio havia o encontro profundo entre o orgânico e o inorgânico.

Levantei-me de encontro ao mar, a areia em meus pés jorrava o incômodo do roço com a pele: era o incômodo da vida que gira, gira feito um mundo que vira do avesso onde a cabeça continua em normalidade e é você quem precisa revirá-la para com o mundo seguir de avesso.Ali naquela areia cor de mundo eu via a natureza das mágoas em meus pés cheios de areia. A pequena dor silenciosa da areia em meu corpo travava a briga entre o cair novamente no monte de areia primário e no continuar da desordem em meus pés enquanto fazia o caminho de encontro ao mar. No pequeno espaço que me separava enquanto caminhava ao mar eu ainda assim sentia o roçar desordeiro da areia que antes acalentara meus pés chorosos de lar. Era a areia lutando para não voltar ao seu lugar, era eu lutando para estar exatamente em meu lar. Meu lar também era o mar, com a dor da areia e do repensar; com a dor. O lar é, apesar da dor, ainda é.

Parei a um intervalo seguro, afastado do beijo do  mar como quem espera sabendo que a qualquer palpitar mais acelerado de coração o mar vai chegar. A distância era exatamente essa, parado ali eu tentava descansar meus ombros de mogno. Fechei meus olhos salinos e escutei o mar. Acreditara e reconhecera o que os olhos de concreto e poeira jamais perceberam: estava oculto quando na verdade estava óbvio - era meu coração chamando as veias de puro sangue a se tornarem apenas sangue oxigenado, começara a ouvir a música do mar. E transei com ela. Cada parte do meu corpo era um instrumento que o mar tocava e vibrava em comoção como as impossibilidades das notas musicais que Elis conseguira alcançar. Eu além de mar, era vibração. No começo a música do mar veio-me como objeto único, em unilateralidades primárias que massageavam meus ouvidos para o som do desencadear das ondas longínquas. Nuvens que se dissolviam ao tocarem-se - e a cada toque ouvia-se o ressoar musical como anjo de voz de cristal - eram as ondas do mar ao tempo exato da mãe terra.

Eu estava lá com minha pele brotando flores e escutando as ondas do mar. [glub, glub, glub, glub]
Eu transei com o mar. Os sons daquele monte de água me vinham nítidos e de olhos fechados respirei as nuvens, que jorravam a todo instante, de mar. Abri os olhos com receio que descobrissem que eu ouvia a música do mar. Revolvi os tornozelos e com os pés ainda em gelo segui para o cimento, o concreto e a liquidez [desgraçada da vida] que o mar não tem; do mar só a liquidez purificadora de miasmas.

sábado, 23 de março de 2013

Little Boxes

Passo 1:

- Pegue as suas emoções e as embale dentro de uma caixinha.

Use esse segredo quando:

x O momento for inapropriado para usar a emoção.
x Não puder usar a emoção no momento.

CUIDADO. PERIGO:

x Jamais se esqueça de abrir a caixinha na hora que puder.

Resultado:

- Você amadureceu.

sexta-feira, 22 de março de 2013

orgânico

ORGÂNICO
OR GÂ GÂ GÂ NI CO
ORGANIZAR
ORG ANIZAR ANIZAR ANIZAR
agonizar

ORGASMO
ROGAS?

ORGÂNICO
TUNICO
penico

sexta-feira, 15 de março de 2013

produção em madrugada de aniversário

Escrevo enquanto os últimos minutos do cronologicamente social relógio de meus anos de vida vão se formatando para começar pela décima nona vez a contagem de mais um ano de experiência social.

Discorrer em palavras os sentimentos de uma datação que muitas vezes é corriqueira para tantas pessoas torna-se para mim uma referência mais densa e energeticamente propensa a situações ambivalentes. Melhor mesmo é escrever mais um conto sobre a vida de pessoas imaginadas mas com todo o sentimento real posto nessas vidas.

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As gotas pingavam na pia de Aldernatur. Muito embora almas desconhecidas daquele contexto tendam a pensar que o nome de nosso homem seja o nome ou a marca [que não deixa de ser um nome] da pia, a verdade é que aquele era realmente o nome da pessoa de cabelos agrisalhados em curvas louras, amarronzadas com borrifamentos de cinza cimento. E ele se olhava no vidro acima do gotejamento aquífero que o fizera perder o sono: sorria para a face inchada e refletida naquele espelho que encontrara no exato canto que ali estava quando se mudara para a casa que abrigava o objeto de vidro e espelho.

Podia perceber a vastidão de curvas que dançavam em seu rosto quando sorria. Seus dentes ainda eram os mesmos, a brancura se fora sem sinal de volta. Um quadro honroso era esse casamento entre as rugas e os dentes sem brancor. Tudo isso de rosto era seu, conquistado aos poucos pela adrenalina dos dias das novas entrevistas de emprego, pelo fulgor da quarta conquista em vida adulta, pela saudade de quem não sabe se as outras pessoas olham as cores do mundo com as mesmas cores que seus olhos veem o mundo, cada  rosa dessa, esmaecida dentro de livros, eram suas, ele as tinha em seu acervo para aplicá-las à situação que quisesse. Era o que tinha, o que o capacitava. Essas experiências tinham lhe provado que viver é antes de mais nada caminhar e é por isso que tem gente viva que não vive, aqui na terra. 

Noite de desassossego. Aldernatur gostava dessa palavra cheia de 'esses' e de vogais que pareciam casadas, era um casamento harmonioso entre a vogal e a consoante. Da noite, não falava. Era apenas mais uma e a beleza estava em seu momento pois gostava desse período ausente de muita luz. Olhando em seus cílios a noite continuava de desassossego, repetia: desassossego. A palavra tinha uma certa magia para ele já que a tinha visto nua pela primeira vez ao bebê-la nas palavras de Pessoa. Mais especificamente no título do livro do poeta e apenas só. Se tinha lido algum vocábulo do interior da obra, à memória fugia. O título da criação de Fernando Pessoa é que realmente o tinha chamado a atenção: Livro do desassossego.  Um outro livro de palavras chamava a composição de letras de inquietação, pertubação, agitação - eram muitos 'ãos' que na mente de Aldernatur nada significavam perante as reverberações de acalanto que aquela palavra tinha.  Para nosso homem a palavra tinha mais sossego que inquietação, era um sossego que por momento estava agitado, mas que logo voltaria a situação normal de calmaria. Aldernatur era a palavra do dicionário e do livro do poeta e do próprio [ou de algum] Aldernatur. O que o mais fascinara, além da sonoridade da palavra, era o fato de que mesmo em momentâneo agitamento a inquietação continuaria apesar da promessa de tranquilidade, era um [des] .a. sossego. A noite portanto, era de desassossego.

O barulho inquietante continuava. As gotas paridas instantaneamente da torneira com pia preta estavam lá escorrendo o seu prenúncio de águas mais abundantes ou seu cessar de gotas tensionadas. Seus cabelos caiam sobre sua testa que reluzia a mesma oleosidade de quando o coração lhe subia à boca. Olhou o pingar da água por mais cinco segundos, até que com suas mãos em saliência de veias e unhas compridas postas também em dedos compridos fechou a torneira. O gozo lhe veio como o cessar de urina acumulada em horas de impossibilidade de excremento do líquido. Voltara-se para o espelho.

Quem via? O rosto intumescido de sangue por causa do breve cochilar em que a cama e o travesseiro o colocara, mas que tinha sido rompido pelo barulho da mãe-torneira. Agora que voltara para sua plataforma de voo [a cama e o travesseiro] a consciência do dever de prosseguir o tomara novamente. É que o menino que suas células negavam, o menino chamado de senhor pelos desconhecidos estava pensando sobre a continuidade a partir de onde estava. A idade já se apresentava como um incômodo físico para Aldernatur e isso começara a defrontá-lo com o saber que ao longo das vidas ludibriamos debaixo dos lençóis, a morte. A certeza de que mais cedo ou mais tarde deixaremos a roupagem feita de carne e osso falava-lhe em preces baixas. 

Necessário caminhar firme; mas a direção que tantas vezes tomou de súbito a fieldade de Aldernatur escapava-lhe no ponto atual de sua vida.  A direção o tinha esquecido - essa era uma pergunta que fazia-se em momento de prece alta. A resposta lhe surgia com a consulta no seu acervo de rosas esmaecidas:  ele esquecia que direção não é usada em companhia de definição; na verdade ele que tinha esquecido uma das direções possíveis. Mas em todas elas, e a vivência lhe comprovava, o amor estava como um amigo que te traz duas cervejas numa festa de bebidas que não te apetecem.

Então, vendo as abundantes gotas de chuva escorrerem pela janela bem ao lado de sua cama, com as sombras das folhas a lhe tocarem o corpo, adormeceu feito menino pequeno atento a voz da mãe que conta histórias para o filho dormir enquanto alisa seu rosto e em prece o guarda de todo mal pelo simples percorrer de suas mãos com um beijo dando o selamento do feitiço.

No outro dia Aldernatur acordará para mais um dia de trabalho com as mesmas questões rondando o seu peito nos intervalos em que sai para comprar rosquinhas e café ou enquanto tira cópias rotineiras de documentações, mas caminhará.

Caminhará.

quarta-feira, 13 de março de 2013

história para dormir

Era eu novamente em sangue vivo: conseguia em milímetros de gotas em folhas altas de baobás sentir a adrenalina caindo à forma de precipícios em minhas veias que desembocavam no opaco de meu estômago, na frieza crua de minhas mãos e nas movimentações em pedra de minha musculatura. Eu era eu, pura naquele instantâneo.

Iria mesmo assim, com furos em sangue, com medo. Iria mesmo assim.

e fui.

O que encontrei foi a vergonha [com que não sorria e guardava o meu sorriso ritmado em coração dentro da silhueta de meu corpo] de antigamente. Lá, naquele espaço aberto avistei minhas lágrimas de marinheiro só. Parte do mar estava naquela plataforma de pedra pisada de pés descalços, que sorrisos corriam de um lado a outro: e eu observava o vasto daquele momento em pensamento mudo de alma reintegrante.

Perguntei-me se suportaria esse contínuo desafio que é desafiar-se em vastidão de si da qual você me erguia em altos braços todos os dias. Um borbulhar de pensamentos sem pensamento embarga minha voz ao telefone com ti. Eu só queria os teus beijos e teus abraços [teu amor], era disso que precisava para responder afirmativamente a pergunta. E era nisso que consistia a calmaria para tomar em ângulo o teu ser, para não falar palavras impensadas. Mas é em outra calmaria, uma calmaria tua, essa calmaria de beijos tua que o desespero me toma à mente em horas como essa. Eu necessito de ter esse teu amor também. 

Boto em tuas mãos o meu amor.

- você é inseguro e precisa que eu fique inseguro para ficar seguro. [falaste-me]

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

,

pequena nota para constar o quanto meu coração fica calmo quando recebo uma ligação tua e ouço tua voz a perguntar de meu amor por ti. Sim, Eu te amo e muito.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

riacho e mar

Agora eu tateio na realidade. Era isso o tempo todo, a realidade estava presente, eu a vivenciando rotineiramente. Eu não me conformava com a realidade - essas palavras me vieram como solução para todos os males. O caminho simples e atado às nossas contextualizações familiares e poéticas.

Agora eu a lembro, não mais as suas palavras me vem com a rapidez inquietante de pensamentos chave que se voam iguais a folhas em tetos de ônibus. Elas agora ficam e me olham, convidando-me a mexe-lhes na alma para buscar soluções.

Olho o riacho doce aventureiro, as águas, como falam os poetas, já não são mais as mesmas a segundos atrás: o rio não é mais o mesmo. As sombras que se formam de meu rosto nas elevações da água também já não são mais as mesmas. Os raios da manhã refletem no rio, e o seu reflexo vem em cheio aos meus olhos. Minha primeira reação é de desviar o olhar, mas observo que nos milésimos de segundo passados no intervalo do desvio, vejo que é possível suportar a luz do reflexo. Para viver é preciso ter coragem.

A vida senão é isso. Um barco a navegar nos riachos doces da floresta do ventre da mãe-terra que mais cedo ou tarde encontrará a desembocadura do rio com o mar. É o abraço do rio com o mar.

Genuinamente um abraço.

Os dois, embora se encontrem e sintam a realidade de um do outro não se misturam, mas se acoplam numa harmonia de águas diferentes, mas que mesmo assim ainda são águas e refletem qualquer raio de sol.

É coragem de ser riacho e mar.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

sono:despertar

E novamente estou em face ao abismo. Novamente me vem a agonia, me vem o medo.
Devo prosseguir? Adiar mais uma vez o confronto comigo mesmo?
Sonho agora com estradas demasiadamente íngremes.
É preciso quebrar a elevada curva para subir.
É preciso deslocar o coqueiro para a passagem também difícil de ultrapassar.

Dói. E é de uma dureza apenas minha, ninguém deverá ajudar-me. É um caminho que é preciso trilhar só. E eu me perco, choro, recolho-me a velha criança medrosa. Mas me esqueço da criança sem medo e sorridente de outrora. Na verdade o caminho é esse, doer ao sol. No enfrentamento das iluminuras condensadas em meu corpo já acumulado de silêncios malditos, que poderei usar-me mais de mim para ser.

Nessa prática de viagens, o intervalo do sono me vale do melhor remédio. Durmo nos entremeios de meu amadurecer(se é assim que devo chamar), durmo e acordo com o mesmo problema, mas já  com a agonia dissipada.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Mar do amor de carnaval

E tudo tá ficando tão grande, que eu tenho medo de perder o controle.

O mar estava cheio, a chuva caia cheia do mar
Os dois fundiam-se em gotas de atlântico
Enquanto nós, meu coração estava ao alcance da sua mão
Enquanto seu coração estava ao alcance de meu ouvido
Olhávamos um para o outro
Um para o outro.
Para o outro.

Aonde meu peito procura a melhor posição para entrelaçar-se com seu corpo,  para assim o choro purificador vir como água doce cristalina. Tal como é a maresia das conchas marinhas. Eu era todo calor do desfigurado não saber, do querer em estado puro de emoção, eu era meu peito, meu corpo desabando no choro sem razão. Na razão de saber que ali estávamos, mas que em breve não mais estaríamos. Em cerca de um tempo de amor, que passa ligeiro, estaríamos um e o outro voltando para nossas casas, para uma parte nossa que não conhecíamos.

 Na ventania cheia da escuridão do asfalto de água de chuva reluzente eu estaria todo ali entreposto nas singularidades da cidade de ares provincianos, a cidade dorme cedo. E eu, sem nem realidade de estar morto de amor, dormiria tarde.

Tudo novamente estava grande.

Os pássaros que agora via na cidade, os lilás vívido, quase sangrento, dos ipês, tudo ali era meu, era eu.
A inexistência de sorrisos e movimentações em dias rotineiros de outrora, desaparecera. O fogo de sentir o mundo na sua forma mais minha agora novamente me era aberto. Até as fitinhas multicoloridas que enfeitavam as avenidas da cidade faziam-me estremecer a pele, por que lembravam a alegria depois da tristeza. Era o carnaval. O carnaval é isso, a força de uma festa impulsionadora de vidas, de sua vida: de estar vivo na vivência do dia-a-dia, de ter força para lutar mesmo quando a dor e o desespero aparecer em seus olhos e ninguém, a não ser você e seu religare, te acolher em braços abertos. Mas, você, agora, novamente, e eu mesmo com o bombeamento de todo o dia, que agora já não me era todo o dia, para sempre, eu teria você em meus braços. A aliviar-me um pouco o fardo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

nota sobre amor: esqueça tudo que se chama cérebro.

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O que tem me levado a escrever?

A liberdade.
Acima de tudo a liberdade. Hoje, entendo talvez um pouco do que o garoto da vírgula me disse.

Mas enquanto a você, enquanto a você eu continuo aqui, te amando no meu silêncio. O amor de agonia tem se transformado num amor de amplitude e calmaria, é o que eu quero de você na realidade. Não me venhas com os mesmos pequenos grãos de areia de antes, não suportarei. Se assim for preferirei voltar-me ao meu silêncio e te amar de longe. Não vês que assim estás a estragar o nosso amor?

Te falei. Sempre vou te amar. Mas não pense que sempre irei suportar o eterno desafio de ser pungente. Já tenho minha própria mente para desafiar-me o tempo inteiro, não quero outra. Necessito de liberdade contigo. Nesses caminhos que a lógica pouco dita, isso que chamamos de amor precisa ser regado à conta gotas. Coitada, ainda com seus pequenos galhos está a tomar forma para num futuro florescer.

- Você não mudou nada.
- Como assim?
- Não sei dizer ao certo, está no abstracionismo.

[...]

- Você disse um dia que nunca chorava a não ser por uma dor física. E você chorou no dia que fui embora.
- Só aí e numa outra vez.
- Achei. Bem aí.
- O que?
- Isso, onde você não mudou nada. Está bem aí, continua botando banca de forte.